Lidar com a partida de um ente querido ou mesmo com situações que representam algum tipo de perda significativa (como o divórcio ou uma demissão) não é simples.
Assim sendo, mesmo que a oscilação de emoções nesse período seja grande, é possível pensar nessa experiência negativa por meio das chamadas fases do luto.
Entender mais sobre esses estágios é importante na observação das próprias emoções durante as semanas e os meses seguintes a esse tipo de notícia. Ainda que cada pessoa possa reagir de forma diferente, ficar atento ao que se está sentindo ajuda até mesmo a identificar a hora certa de procurar ajuda profissional.
O percurso em cada uma das 5 fases do luto
A descrição das fases do luto surgiu a partir do trabalho da psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross. Ela publicou um livro sobre o tema no final dos anos 1960.
A obra foi resultado do contato que ela mantinha com pacientes terminais. A médica notou que esses indivíduos passavam a adotar determinados comportamentos para lidar com a possível morte iminente.
A partir disso, tais observações foram transportadas para outros contextos de perda, incluindo a despedida final de pessoas próximas. Mais recentemente, tal abordagem se tornou famosa tanto entre profissionais de saúde mental quanto na cultura popular.
Ao todo, são cinco as fases do luto. De todo modo, não é difícil encontrar desdobramentos que ampliam esse número para sete, por exemplo.
Seja como for, nos tópicos abaixo estão descritas as características de cada uma das etapas e o que elas representam nesse processo tão difícil.
Negação
Nos momentos imediatamente após o recebimento da notícia (do óbito, da separação, da perda de emprego etc.), o indivíduo pode negar o ocorrido.
Acima de tudo, isso funciona como um mecanismo de defesa diante do cenário adverso. Desse modo, podem aparecer posturas que tentam contradizer o que realmente aconteceu.
Em um exemplo simples, alguém que perdeu um ente querido considera que a informação da morte foi um equívoco e que ele voltará a qualquer momento. Em outras circunstâncias, é possível que a pessoa sequer toque no assunto.
À medida que o tempo passa, é natural que o ocorrido se consolide na percepção do enlutado. Essa mudança acaba dando espaço a outras emoções.
Raiva
No segundo estágio do luto, esses sentimentos podem assumir as formas da raiva, da irritação ou mesmo da culpa.
Na prática, a irritação pode aparecer na forma de expressões como “o que eu fiz para merecer isso?” ou “quem foi o responsável por essa situação?”.
Nesse contexto, é possível também que se saia a procura dos “culpados” pela morte/separação/demissão (como profissionais de saúde, parentes, colegas de trabalho etc.).
Embora, em certa medida, tal reação seja perfeitamente esperada, ela pode despertar incômodos naqueles que estão ao redor de quem vivencia tal emoção. Muitos desses pensamentos e comportamentos podem parecer despropositados ou mesmo ofensivos aos demais.
Barganha
Na fase da barganha acontece um tipo de negociação interna, que muitas vezes gera promessas ou compromissos de qualquer caráter, sempre na perspectiva de reverter a situação. Para ilustrar isso, pense em quem assume que vai parar de fumar se o parente que partiu retornar.
Além disso, podem ser repassados cenários sobre o que poderia ter sido feito de diferente para evitar tal contexto. Com isso, a pessoa em luto passa a imaginar que se ela tivesse agido de outra maneira (como ter procurado um médico antes; não ter saído de casa etc.), aquela morte poderia ter sido evitada.
No fim, todas essas estratégias são uma tentativa de retomar o controle sobre algo que não pode ser controlado. Portanto, nem sempre a lógica do raciocínio é sólida e frequentemente assume um aspecto irracional.
Depressão
Logo de cara, aqui vale ressaltar que esse estágio não diz respeito necessariamente ao transtorno mental chamado de depressão (que é definido pelos especialistas como “transtorno depressivo maior”).
De qualquer maneira, alguém atravessando um período de luto pode naturalmente manifestar uma série de sintomas depressivos. Os mais conhecidos deles são:
- tristeza constante;
- perda de esperança;
- redução no interesse em atividades antes prazerosas;
- dificuldade para dormir e alterações no apetite;
- irritação frequente;
- isolamento.
Novamente, com tempo é esperado que tais alterações desapareçam. No entanto, ainda que não seja a mesma coisa que um transtorno depressivo, o luto prolongado pode provocar uma série de prejuízos à qualidade de vida e, eventualmente, desencadear um quadro psiquiátrico.
Alterações de saúde mental geralmente dependem da avaliação e do acompanhamento de um médico psiquiatra, o especialista em lidar com alterações no comportamento e nas emoções em qualquer fase da vida.
Aceitação
Por fim, no último estágio do luto, a pessoa afetada pela perda encontra formas de dimensioná-la, dando um novo sentido para a vida a partir do acontecimento em questão.
Em certa medida, é nesse ponto que se torna possível seguir em frente. Isso não significa, claro, esquecer o que aconteceu. Por outro lado, o momento infeliz se torna uma lembrança menos pesada, sem que sentimentos negativos sobre o que se passou dominem a memória.
Os estágios adicionais
Nos casos em que são descritas mais etapas para esse processo, isso inclui tende a incluir um estágio antes da negação (chamada geralmente de “choque”) e uma fase antes da aceitação, conhecida como “reconstrução” ou “trabalho do luto”.
De todo, isso varia bastante e é possível encontrar outros modelos que deem nomes diferentes para essas e outras emoções.
Todo luto é sempre igual?
A sistematização do processo de luto em fases não quer dizer que todo mundo viverá isso da mesma forma. Essa é, inclusive, uma das críticas dos estágios descritos acima.
Ao dividir a evolução de forma tão rígida e linear, pode ser que muitas pessoas não se enquadram em tais características ao vivenciar uma perda. Logo, é preciso ressaltar que o fato de que essas etapas existam não significa que elas precisam ser seguidas à risca para superar as dificuldades desse período.
Portanto, cada indivíduo deve ter o espaço necessário para lidar com esse momento da forma que conseguir ou achar melhor.
Encarar uma situação de luto tem o potencial de alterar todos os aspectos do dia a dia de alguém, principalmente nos dias, semanas e até mesmo meses seguintes.
Apesar disso, é possível investir em algumas estratégias para manter o propósito e, acima de tudo, preservar a saúde mental. Cada um pode encontrar a melhor forma de fazer isso, mas algumas medidas relativamente simples já ajudam bastante.
- não tenha medo de sentir as emoções que aparecem nesse momento;
- procure com quem compartilhar esses sentimentos, seja com amigos ou familiares;
- busque, dentro do possível, desenvolver atividades que favoreçam a diversão ou distração;
- seja paciente consigo mesmo e dê tempo ao tempo para processar o ocorrido;
- no caso de óbito de entes queridos, estabeleça formas de honrar a memória e as boas lembranças daquele que partiu;
- tente manter uma rotina, incluindo nisso os compromissos diários, uma alimentação saudável, algum tipo de exercício físico e o sono adequado;
- converse com outras pessoas que já atravessaram uma ou mais experiências de enlutamento. Grupos de apoio podem oferecer amparo similar.
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Quando procurar ajuda
O luto não vai desaparecer de um dia para o outro, como mágica. Do mesmo modo, não existe regra universal sobre o quanto ele deve durar.
No entanto, é possível que casos mais complexos (por uma série de fatores que são impossíveis de delimitar) façam com que uma pessoa conviva com o sentimento por muito mais tempo.
Por consequência, pode ser indicado procurar apoio especializado (em especial de profissionais de saúde mental, como psiquiatras e psicólogos) quando a experiência de perda gera sintomas permanentes capazes de interferir no bem-estar do indivíduo.
Entre os exemplos disso estão as situações em que é possível perceber alterações emocionais que desencadeiam desconforto profundo constante ou mudanças no padrão de humor, sono, alimentação ou qualquer outro aspecto importante para a qualidade de vida.
Não por menos, independente das características de cada uma das fases do luto, desde 2022 as autoridades de saúde (como a Organização Mundial de Saúde e a Associação Americana de Psiquiatria) descrevem o chamado Transtorno do Luto Prolongado. Resumidamente, ele se diferencia de outros distúrbios depressivos/ansiosos justamente por ter a perda como gatilho.
Fontes:
- Harvard Medical School;
- Center of Disease Control and Prevention;
- American Psychology Association;
- American Psychology Association (Prolonged Grief Disorder);
- The Journal of the American Medical Association;
- British Journal of General Practice;
- National Library of Medicine;
- National Library of Medicine;
- World Psychiatry;
- Ministério da Saúde;
- Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.