Um levantamento publicado no primeiro semestre de 2024 pelo jornal Folha de São Paulo, a partir de dados de atendimentos no Sistema Único de Saúde, mostra que os casos de ansiedade em crianças superaram a proporção de atendimentos com esse foco em pessoas de outras faixas etárias.
De acordo com os dados, entre pacientes de dez a 14 anos, a taxa de atendidos que apresentaram ansiedade foi de 125,8 a cada 100 mil. Entre adolescentes, o índice foi de 125,8 com o transtorno, a cada 100 mil. Já entre pessoas com mais de 20 anos, a taxa ficou em 112,5 a cada 100 mil. Para a coleta de informações, foram considerados atendimentos realizados em 2023.
O fato de crianças se mostrarem mais ansiosas do que adultos releva o quanto é importante saber reconhecer quando algo com a saúde mental dos pequenos não vai bem e, dessa forma, recorrer a profissionais que possam diagnosticar e tratar quadros de ansiedade o quanto antes, permitindo uma infância mais tranquila.
Entendendo o que é a ansiedade e quando ela exige atenção
Toda pessoa, em algum momento da vida, fica ansiosa. É o que acontece antes de um evento importante ou novo, como o primeiro dia na escola ou uma entrevista de emprego. Entretanto, esse sentimento tende a ser passageiro.
Isso significa que a ansiedade nada mais é do que um sentimento natural e comum a todos os indivíduos, que funciona como um estímulo para a tomada de ações e reações, principalmente quando há mudanças na rotina ou sensação de risco. Quando os níveis de ansiedade ficam muito altos, no entanto, reações que prejudicam o bem-estar são desencadeadas.
É nesse contexto que surge o que os especialistas chamam de “transtornos de ansiedade”. Eles englobam uma série de alterações que têm como principal característica o acúmulo de sintomas físicos e psicológicos associados ao medo e à tensão frequente.
Dentre as possíveis variações para esse tipo de condição, a mais conhecida delas é o Transtorno de Ansiedade Generalizada, conhecido também apenas como TAG.
Sintomas mais frequentes em casos de ansiedade infantil
Segundo a Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro (SOPERJ), os sinais da condição podem se diferenciar de acordo com a faixa etária. Desse modo, aqui estão algumas mudanças das quais é possível manter-se alerta.
Bebês e crianças pequenas:
- agitação;
- mudanças de comportamento;
- choro frequente;
- maior ou menor apetite;
- mudanças no sono;
- birra;
- irritabilidade.
Crianças maiores e adolescentes:
- excesso de preocupação;
- tensão muscular;
- inquietação;
- suor;
- taquicardia;
- tremores;
- sensação de desmaio;
- dificuldade de concentração.
De todo modo, a análise correta deve ser feita por um profissional de saúde capacitado, que fará avaliações psicológicas específicas. Embora um clínico geral ou pediatra seja capaz de oferecer um primeiro suporte, a devida avaliação de um psicólogo ou psiquiatra é indispensável em boa parte dos casos.
Causas para os transtornos durante a infância
A maioria dos quadros ansiosos é resultado de uma interação bastante complexa de fatores. Embora não se saiba o que exatamente desencadeia tal condição, é possível afirmar que ela é resultado da mistura de aspectos que passam por:
- disfunções fisiológicas que causam determinados desequilíbrios químicos no cérebro;
- predisposição genética, o que faz com que filhos de pais ansiosos tenham um risco maior de desenvolver o quadro;
- componentes sociais e econômicos, que elevam a vulnerabilidade de determinados grupos;
- fatores associados a determinados traços de personalidade (como o excesso de perfeccionismo, por exemplo);
- convívio em ambientes com dinâmicas familiares conturbadas ou em que episódios de violência, bullying e abuso são frequentes.
Outro ponto de atenção é que parece haver um risco maior de quadros de ansiedade surgirem em meninas quando comparados aos meninos. Para cada criança do sexo masculino com esse diagnóstico, pode haver duas ou três meninas com o mesmo quadro.
Para favorecer o cuidado com essa e outras condições de saúde, o Cartão dr.consulta facilita o acesso a especialistas e diversos exames, com vantagens que ampliam a oportunidade de manter a saúde e o bem-estar.
Fatores comportamentais e sociais
Outras situações associadas ao modo de vida e circunstâncias sociais também podem contribuir para a maior ocorrência de casos de ansiedade infantil.
Telas e redes sociais
Entidades como a Sociedade Brasileira de Pediatria e a Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz) defendem que o contato cada vez mais precoce com tablets, computadores e celulares conectados à internet pode explicar a ansiedade crescente em crianças.
Inegavelmente, esses dispositivos com acesso às mídias sociais oferecem estímulos constantes, além de ampliar a exposição a determinadas situações de interação que aconteciam de outra forma. É o caso, por exemplo, de vítimas de bullying online ou das crianças que passam a se comparar constantemente com colegas e outras personalidades digitais.
Diante disso, a Sociedade Brasileira de Pediatria reforça que a exposição às telas deve ser limitada entre os jovens. Indivíduos com menos de dois anos não devem interagir com esses equipamentos. À medida que a criança cresce, deve haver um uso cuidadoso:
- dos dois aos cinco anos, o contato não deve ultrapassar uma hora diária, com a devida supervisão de um responsável;
- dos cinco aos dez anos, o período de utilização deve ser de no máximo duas horas ao dia;
- acima dos dez anos, esse intervalo pode alcançar as três horas;
- o uso dos eletrônicos nunca deve se dar durante as refeições e antes de dormir.
Como alternativa, pais e cuidadores devem, sempre que possível, oferecer opções de distração que não envolvam telas e a internet, como atividades manuais ou brincadeiras ao ar livre.
Pandemia e isolamento social
Parte do que está sendo notado pode ser reflexo ainda da disseminação da COVID-19. Muitas crianças tiveram anos do seu desenvolvimento justamente no período fechadas dentro de casa, onde até mesmo as atividades escolares eram feitas de forma remota.
Com a retomada das aulas presenciais, muitas delas se viram expostas pela primeira vez a situações às quais não estavam acostumadas, desencadeando um sentimento novo frente ao que era então desconhecido.
O período também foi marcado por perdas de entes próximos e a piora das condições socioeconômicas de muitas famílias. Esses fatores, claro, interferem na saúde mental infantil.
Diagnósticos incorretos
Se por um lado crianças têm transtornos de ansiedade e não recebem a devida atenção em várias circunstâncias, por outro é igualmente possível que haja um número considerável de quadros em que os sintomas apresentados não necessariamente são uma enfermidade.
Além disso, toda avaliação no processo de diagnóstico deve considerar se as queixas não são mais bem explicadas por outras condições. Um desempenho ruim na escola não necessariamente tem relação com a ansiedade, por exemplo. O fenômeno pode ser resultado de uma dificuldade de aprendizagem, como a dislexia, ou um Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade, o TDAH.
Acima de tudo, não se deve considerar isoladamente conteúdos sem respaldo científico, principalmente vindos das redes sociais, para se manter informado e buscar diagnósticos. Tais materiais podem ser úteis para ampliar a conscientização sobre o tema, mas jamais dispensam a avaliação profissional em caso de suspeitas associadas à ansiedade em crianças.
Confirmado o diagnóstico, o ideal é que os profissionais de saúde mental trabalhem juntos para que melhores resultados sejam alcançados. Isso pode ser feito por meio de:
- sessões de psicoterapia, em que a criança entra em contato com técnicas para entender e administrar o que ela está sentindo;
- orientação específica para pais e cuidadores, permitindo o aprendizado de ferramentas para reconhecer os gatilhos da ansiedade infantil;
- uso de determinados medicamentos, que podem reduzir a intensidade dos sintomas, sobretudo quando a terapia sozinha se mostra insuficiente. Ansiolíticos e antidepressivos costumam ser os mais utilizados, mas a prescrição depende da avaliação do médico psiquiatra.
Se não for devidamente tratada, a ansiedade pode evoluir para um quadro de depressão. Essas são duas condições que costumam ser comuns, inclusive entre as crianças e adolescentes.
Fontes:
- Aletheia;
- American Familiar Physician;
- Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina;
- BMJ Clinical EvidenceChild and Adolescent Psychiatry and Mental Health;
- Estudos de Psicologia;
- FioCruz;
- Frontiers in Psychiatry;
- Journal of Anxiety Disorders;
- Journal of the American Academy of Physician Associates;
- National Health System;
- National Library of Medicine;
- Pediatric Drugs;
- Sociedade Brasileira de Pediatria;
- Sociedade Brasileira de Pediatria;
- SOPERJ.